Durante nove meses perseguiram uma estrela, misteriosa e bela por sobre o grande reino da Pérsia. Nove meses, dizem os antigos testamentos, que é o tempo humano da gestação e tudo isto não podia ser mais humano ou menos divino. prefix = o ns = "urn:schemas-microsoft-com:office:office" />
Os Reis Magos perseguiram aquela estrela vencendo o calor dos desertos e iludindo os salteadores por entre as dunas e as sombras da noite. Melquior, o mais velho, austero nas suas longas barbas brancas, seguia segurando com a tenacidade do medo um pequeno pote de oiro.
A seu lado, Baltazar sobressaia com o rigor do negro na pele e nas cerradas barbas, seguia altivo contra os horizontes de areia. Sem nunca esgotar a voz, Baltazar contava histórias da Índia tão longe como adorada. Levava consigo mirra e uma enorme curiosidade.
À frente, marcando o destino e decifrando os sinais dos tempos e de todos os perigos, Gaspar era o mais jovem dos três Reis Magos. Levava incenso e aromas perfumados para o menino Jesus.
Mas nem o Evangelho Siro-Árabe da Infância refere uma quarta personagem. Atrás dos Reis Magos uma outra figura assomava e seguia amargurada por entre os rastos e a poeira do deserto.
Pode deslumbrar-se sob o linho uma figura feminina.
Seguia silenciosa atrás dos Reis Magos. Não levava oiro, nem incenso nem mirra. Não levava nada.
No final da jornada, o menino Jesus era nascido e os Reis Magos depositaram com cerimónia as suas oferendas.
Jesus chorava, mas sua mãe virgem agradeceu enternecida com uma vénia, enquanto José recolhia os presentes. Oiro, incenso e mirra.
Até que por de trás da manjedoura se levantou uma mulher de olhos tristes.
Não precisou falar. O olhar confessou e o sangue que havia no linho. Aquela mulher tinha recentemente perdido um filho. Suas mãos vazias também testemunhavam, mas agora estava feliz por poder ser útil.
Não trazia oiro, nem incenso nem mirra.
Sem oposição, agarrou no menino Jesus e começou a amamentá-lo do seu peito.
A.r.
29 de Dezembro de 2004
(conto inédito do meu heterónimo)
(Quadro da pintora Andreé PAGÉS-SCHREYER, dat. de 1996)