Quarta-feira, 25 de Dezembro de 2013
Conto de natal

O dia de Natal amanheceu gelado mas o sol inundava o céu. Uma estrela brilhante teimava em permanecer no céu, ao lado do sol, apesar do dia. As pessoas olhavam para a estrela e sorriam. Era a estrela de Natal que naquele ano 2013 teimava em aparecer. Astrónomos amadores tentavam em vão explicar o fenómeno e não descortinavam planeta ou estrela que pudesse explicar o caso. Na TV os astrónomos profissionais desfiavam hipóteses mas ninguém sabia explicar a estrela.

Maria caminhava lentamente pela planície alentejana, indiferente a tudo. Chorava o seu filho perdido. Engravidara de José e tinha perdido o filho. José seguia no seu encalço e temia a loucura da mulher. O seu silêncio assustava-o. Maria não estugava o passo, e ia colhendo algumas flores bravias com uma ligeira inclinação do seu torso e, em breve, estavam de novo junto á casa. Térrea, modesta, paredes caiadas, com um pequeno estábulo ao lado, onde ainda conservavam uma vaca leiteira, e um velho jerico no qual carregavam os cestos de verduras e legumes que levavam todas as Segundas-Feiras ao mercado da aldeia do Santo Lenho.

José entrou na casa e pôs uma panela de água ao lume para fazer a sopa. Pela pequena janela, observou a esposa, sentada numa raiz saliente do sobreiro, com o olhar pousado na pequena sepultura ornada de flores e folhas. Porque a tarde reclinava, a estrela insólita no céu parecia brilhar ainda mais, e os seus raios inferiores, coisa estranha, pareciam apontar diretamente para a aldeia vizinha, cujo casario resplandecia na colina a leste da casa. José ficou intrigado. Jantaram á noitinha, com a braseira a crepitar dentro da boca enegrecida da lareira; e quando Maria falou em ir-se deitar, ele, apesar de andar preocupado com ela, anunciou-lhe que iria num instante á aldeia, ia e vinha num ápice, o tempo de beber um copo na taberna e desejar um Feliz Natal aos amigos. Maria concordou. Apesar da dor que a dilacerava por dentro, ela conseguia perceber que José deveria estar a passar pelo mesmo, e que aquele passeio poderia ser bom para ele, para os dois, ao cabo e ao resto.

José não perdeu tempo. Calçou as botas altas, vestiu o capote sobre o pelico cor de terra, e caminhou em passadas largas até á aldeia vizinha com uma lanterna na mão. Quando atingiu a rua principal da aldeia, notou que a estrela irradiava mais luz do que a Lua, e que todas as casas tinham sombra à exceção duma, um casarão que parecia estar na perpendicular exata da estrela nos céus. Encheu-se de coragem e aproximou-se da porta da casa. Um escudo em estanho com três coroas de reis adornava a parede ao lado da porta.

Com as mãos a tremer, fez soar a aldraba, e a porta abriu-se quase de imediato. Um homem negro de barbas apareceu na soleira, e fez-lhe um gesto amável, convidando-o a entrar.

- Entra, viajante – disse, frisando o gesto com palavras - o que te traz até esta casa?

José encolheu os ombros, porque não o saberia dizer. Aceitou a oferta, e entrou, um pouco intranquilo. Havia outros dois homens lá dentro. O interior da casa era um vasto laboratório, com retortas e destiladores, provetas e longos tubos de vidro espiralados. Ao centro de toda essa parafernália, viu um forno, sabia que era um forno, embora não pudesse saber que lhe chamavam atanor.

- Chamo-me Ruber, – apresentou-se o anfitrião, perante o seu mutismo – e os meus companheiros da magna ciência chamam-se Candido e Níger. Curiosamente, apresentamos as três cores da Grande Obra, não é?. E qual o teu nome, viajante?

- José…

O espanto tolhia-o. Volutas de vapor amarelado a sair de tubos, líquidos de cor púrpura a borbulhar em tigelas hemisféricas, o calor intenso.

- O que é que vocês fabricam aqui? Licor? Aguardentes? – Aventurou, a mirar uma espécie de alambique.

Não troçaram dele, apesar dum sorriso fugaz ter iluminado as suas faces. E Ruber, voltou a falar.

- Procuramos sintetizar a matéria mais nobre que existe, uma substância que os tontos acreditavam poder produzir ouro, mas que terá aplicações mais úteis e mais duradoras. Com ela, poderemos, teoricamente, prolongar a juventude, debelar as doenças e, quem sabe, afastar indefinidamente a própria morte. E o modo como a processaremos, tornará possível que a consigamos produzir de forma incessante e inesgotável, de forma a podermos ajudar milhares ou milhões de pessoas. Ela trará um novo e radioso futuro a todas as pessoas, e uma vida onde a dor e o medo minguarão como criaturas subterrâneas a definhar nas suas tocas.

- Isso a mim parece-me uma grila, daquelas que se inventa para pedir dinheiro á gente, ou para nos roubar a casa.

-Mas não é, meu amigo, acredite-me. Temos quase tudo o que precisamos para levar a bom termo a Grande Obra…quase tudo…apenas nos falta uma ínfima partícula, um reagente raro, que os manuscritos árabes antigos diziam poder ser obtido no bico do pássaro lendário a que chamavam Roc, ou na espinha dorsal dum nascituro.

- O que é um nascituro?

- Um bebé que está por nascer, um feto. Mas nós os três supomos que se possa encontrar também num bebé recém-nascido ou de muita tenra idade.

- Um bebé vivo?

 

 

Um conto a duas mãos

Maria e José

publicado por maria anjos castanheira calado às 00:01
link do post | comentar | favorito
.anónima
.pesquisar
 
.Maio 2016
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31
.frescos

. Revisitação

. Do Olhar

. Regressão temporal

. Conto de natal

. desencontros

. ...

. ...

. contos a duas mãos 5

. Ano Novo

. Conto de Natal

.em decomposição

. Maio 2016

. Janeiro 2014

. Dezembro 2013

. Novembro 2013

. Julho 2013

. Março 2013

. Fevereiro 2013

. Janeiro 2013

. Dezembro 2012

. Novembro 2012

. Outubro 2012

. Julho 2012

. Maio 2012

. Abril 2012

. Março 2012

. Fevereiro 2012

. Janeiro 2012

. Dezembro 2011

. Novembro 2011

. Outubro 2011

. Agosto 2011

. Julho 2011

. Junho 2011

. Maio 2011

. Abril 2011

. Março 2011

. Fevereiro 2011

. Janeiro 2011

. Dezembro 2010

. Novembro 2010

. Outubro 2010

. Setembro 2010

. Agosto 2010

. Julho 2010

. Junho 2010

. Maio 2010

. Abril 2010

. Março 2010

. Fevereiro 2010

. Janeiro 2010

. Dezembro 2009

. Novembro 2009

. Outubro 2009

. Setembro 2009

. Agosto 2009

. Julho 2009

. Junho 2009

. Maio 2009

. Abril 2009

. Março 2009

. Fevereiro 2009

. Dezembro 2008

. Novembro 2008

. Outubro 2008

. Setembro 2008

. Agosto 2008

. Julho 2008

. Junho 2008

. Maio 2008

. Abril 2008

. Março 2008

. Fevereiro 2008

. Janeiro 2008

. Dezembro 2007

. Novembro 2007

. Outubro 2007

. Setembro 2007

. Agosto 2007

. Julho 2007

. Junho 2007

. Novembro 2006

. Outubro 2006

. Setembro 2006

. Agosto 2006

. Julho 2006

. Junho 2006

. Maio 2006

. Abril 2006

. Março 2006

. Fevereiro 2006

. Janeiro 2006

. Dezembro 2005

. Novembro 2005

. Outubro 2005

. Setembro 2005

. Agosto 2005

. Julho 2005

. Junho 2005

. Maio 2005

. Abril 2005

. Março 2005

. Fevereiro 2005

. Janeiro 2005

. Dezembro 2004

. Novembro 2004

.tags

. todas as tags

.alguns links
blogs SAPO
.subscrever feeds