Consertar o mundo
A pequena endiabrada apareceu a correr pelo meio dos cones de canas carregados com feijão verde, e aproximou-se da avó que pendurava roupa no estendal. - Cuidado quando passas pela horta, ou ainda fazes estragos – recomendou a anciã. - Avó, emprestas-me algumas molas de roupa? - Para que é que queres as molas? - Para segurar um bocado do céu, que está a cair. A avó encolheu os ombros com um sorriso bondoso nos lábios, entregou-lhe as molas e ficou a vê-la correr de volta – pelo meio da horta, a dar a volta à esquina da casa, e subir o morro por detrás desta. Voltou às suas roupas. A neta era capaz de passar uma tarde inteira no monte, a brincar no meio das árvores e rochedos. Quando acabou a tarefa, espreitou o monte por cima do ombro, e sentou-se nos degraus da entrada, a cozer os botões duma bata. Não tardou que a neta estivesse de novo ao pé dela, ofegante com o esforço da corrida. - Tenho um problema, avó! - Qual é o problema? - Fixei o céu que estava a cair, mas agora as nuvens já desceram muito e estão nas ramas das árvores. Parecem bocados de algodão doce. Vou precisar de as fixar um pouco ao céu com alfinetes, para depois as soltar ao vento. Além dos alfinetes, também vou levar alguns dos caniços cortados que estão ao lado da horta. São para ter a certeza de que a água do riacho está mesmo a correr, porque acho que a água da nascente já não está a nascer… A avó passou-lhe para a mão a caixa dos alfinetes. A menina, levou-a até junto da horta, parou para escolher alguns caniços, e voltou a subir o morro. A avó observou-a, muito pensativa, manuseando a memória das suas palavras com extremo cuidado, como se mudasse de sítio uma ninhada de pintos acabados de nascer. Por fim, vencida pela curiosidade, pousou o cesto da costura, levantou-se com esforço e começou a subir o morro no encalço da neta. Parou no alto do morro e os seus olhos viram o pequeno milagre. A sua neta refizera o mundo dentro da toca de um velho castanheiro: para li levara casas, árvores, animais, fontes, terrenos e, no fim, construíra um pequeno céu: algodão doce sob um azul intensamente suave. Discretamente, anunciou o arco-íris. |
José e Maria
As pessoas morrem mas os sonhos são eteros.