(sem título)
De um momento para o outro viu-se reduzido a isto: um autêntico apátrida, um estudante-bolseiro, a viver num quarto alugado duma cidade desconhecida. Ainda não tinha, e era provável que nunca chegasse a ter, amigos, pessoas próximas ao seu afecto ou ao seu sorriso. O perímetro da sua vida reduziu-se ao extremo, vivia apenas do tempo das aulas, das refeições frugais, das horas de estudo no seu velho quarto habitado por muitas presenças pretéritas, dos passeios solitários numa cidade que permanecia estranha e longínqua como uma miragem ingrata. Uma das poucas coisas agradáveis desses passeios, era a oportunidade de deter-se um pouco na ponte pedonal sobre a linha férrea, mesmo junto à estação de comboios. Fazia-o quando abandonava o seu refúgio à noite para ir jantar, sempre perto das nove da noite. Cruzava a ponte até meio, e parava a olhar para o lado norte, para o lado do túnel sob a estrada. Em cima das nove horas, chegava o comboio vindo de Torres. Sentia-se expectante, enquanto o sentia aproximar-se ao longe, havia um rumor vago no ar, um fremer quase imperceptível dos metais da ponte pedonal, depois era a luz a devassar a boca do túnel, e o comboio surgia lá de dentro como um monstro bondoso de aço e luz. Mas o comboio chagava e seguia sem parar. Dali seguia a ligação a paragens internacionais. O comboio nunca parava.
Um dia também ele partiu. Na mesmo comboio que ligava a cidade desconhecida ao resto do mundo. E ele não parou. Continuou a viajar, por caminhos cada vez mais íngremes, procurando sempre uma ligação entre si e o mundo, pouco permeável ao exterior. Só o trabalho o continuava a desafiar e a preencher-lhe a existência. Percebeu finalmente que o seu trabalho era a sua ligação ao mundo. Afinal nunca estivera só pois a ilusão está na futilidade de uma vida sem utilidade. Depois sossegou e encontrou a paz.
José e Maria