Conto de Natal
Ela não sabia quando acontecia a passagem do milénio: 1999 ou 2000? Da primeira vez foi dançar com o companheiro. Da segunda vez ficou em casa sozinha. Olhou para a sala obscurecida e resolveu enche-la de velas. Quando as zero horas aconteciam o companheiro invadiu o espaço e numa fúria de vento apagou todas as velas. Que podiam provocar um incêndio, disse . E foi-se embora novamente.
Lentamente aconchegada pelos cobertores da cama grande e fria adormeceu. Adormeceu e sonhou. Sonhou com uma coisa estranha que, para ela, era apenas uma noção académica, sonhou com a Samsara, com o ciclo incessante de morte e renascimento, e viu almas como folhas de árvores a dançar e a espiralar sobre a roda cósmica, e quando o seu sonho sossegou, como se as almas estivessem a pousar no solo como folhas caídas das árvores, reviu o seu companheiro no outro lado do mundo, era ele, apesar da pele tisnada pelo Sol e o turbante enrolado na cabeça, e gritava em desespero numa varanda dum palacete junto ao Ganges. Podia sentir o seu desespero, como podia sentir a sua própria dor, porque se havia imolado pelo fogo no pátio defronte do palácio. Foi então que acordou, na cama grande. O seu companheiro estava sentado na beira da cama, e refrescava-lhe as linhas do rosto com um polegar embebido em água perfumada, como se lhe pedisse desculpas. Mas ela agora sabia a razão do seu gesto, e compreendia. A água consagrava as memórias que o fogo não conseguira destruir.
Maria e José
Conto escrito a duas mãos.
Todos sabem quem sou. berdad?
Agora a minorca está a dar a raiz que é o inverso da potência. Muito giro :)