De repente o Sol espanta-nos em toda a sua violência. Em toda a sua dureza. Obriga-nos à saia e à blusa de manga curta, à exposição da pele branca que clareou pelo inverno fora.
Reaprendemos a busca da frescura, a sombra das árvores, as fontes, os ribeiros, as cascatas.
De repente, os neurónios entorpecem e ai! tanto caminho a percorrer na torpeza dos sentidos.
E ai! tanta concentração a ser necessária. Tanta sagesse a ser derramada. Tanta tinta a correr.
Agora recordamos os dias bons de lareira, a chuvinha que cai plácida, o vento que tudo leva, a neve que enfurece.
Há uma forma de escapar à vida anónima e cinzenta que se tem : chama-se imbricar.
Imbricar é estabelecer relações fictícias/reais onde elas existem ou queremos que existam. Quando se é jovem é fácil escorregar para dentro de um livro, um filme, encarnar a personagem que se admira e depois viver a sua vida. Quantas aventuras vivi encarnada em grandes e pequenas personagens…
Depois um dia cansamo-nos dos heróis de papel e queremos entrar na vida real, a tal de pele e osso e vísceras e sangue. Encarnamos então os heróis reais, e apurando a encenação imaginamos nós próprios a teia de relações que nos fazem cruzar com os heróis de carne e osso.
Pelo meio temos os nossos momentos de glória, vivemos as nossas vidas, tornamo-nos referências de outros.
Esta imbricação social, este entrecruzar de personagens, reais e fictícios, que nos fazem viver, são o tecido que nos constitui.