Muito caminho percorrido, por vezes sem luz em perspectiva, um caminho de rigores de Inverno duríssimos, um caminho cheio de pedras e bifurcações. Assim tem sido. No fim do ano, olhamos para trás mas como diz o poeta há apenas sulcos no mar.
Apetecia-me sorrir, aninhar-me no conforto bom da lareira, irradiar esperança e confiança a quem me cerca. Mas o esgar sobrepõe-se ao sorriso. Desaprendi a conversar, desaprendi a leveza, o entusiasmo, o conforto. Os traços que restam são apenas uma longa eficiência mecanizada por tantos anos de tarefas repetitivas. Um ou outro elogio se alguém se atreve a ser diferente, seguro, reivindicativo. Elogiamos sempre esses. Os que se destacam e não quem amamos profundamente. Para esses guardamos apenas um sorriso em dias de vendaval.
A luz e a sobriedade destes quadros, esta luz difusa que entra pela janela, este equilíbrio de cores e pinceladas introduzem uma nota de dignidade na minha espinha vergada. Vergada pela ignorância dos que desconhecem o trabalho que produzo. Vergada pela indiferença dos que comigo privam. Vergada por falta de reconhecimento público e privado.
Mas a luz entra no quarto escuro e lentamente produz cor. Lentamente descongelo do torpor da agonia, do torpor da indiferença. Porque lentamente percebo que tenho direito a luz e ribalta. Porque lentamente percebo que o meu olhar tem luz e é vivo. Porque lentamente me reconheço com direito a exigir.
E é neste acordar lento que se percebe que a liberdade não é apanágio dos outros. Eu também tenho direito à liberdade, à dignidade, ao reconhecimento. A Liberdade conquista-se no exterior e ocorre um movimento do exterior para o interior que me acorda. Acorda todos nós, verdadeiramente.