Chuva, sol, tempestade, sorriso. Paramos no tempo e saboreamos a novidade com um cigarro ao canto da boca. Descansamos as mãos no colo e deixamo-nos ir.
Era uma vez um rato que roía a rolha do rei da Rússia.
Era uma vez um pinto calçudo.
Era uma vez uma fada e uma princesa.
Depois levantamo-nos e mergulhamos dolorosamente na solidão que nos cerca. O passado envolve-nos e já não sabemos quem fomos. Procuramos as nossas raízes num amontoado de pedras velhas e só na imaginação, só no passado imaginado entendemos que pertencemos a algures.
Chuva, nuvens rápidas correndo sobre a montanha. Olho a paisagem cortada pelo xisto de habitações velhas e recordo a infância.
Casa velha, casa símbolo, o quarto amplo que agora encolheu.
Vejo a nuvem, o passado, a ruína aconchegante.
Depois detenho-me na tarde que passa e tão breve é o seu passar.
Os minutos passam devagar e as horas sucedem-se em fuga.
O prazer, o esquecimento, a doçura que se começa a insinuar.
Exorcizar fantasmas neste diário. Respirando noite, tristeza, realidades, ilusões.
Para nos mantermos á tona temos de acreditar, ter esperança, pintar o mundo com cores suaves e alegres. Respiração negativa não alimenta. Respiração negativa fragiliza.
Não quero mais chão estrangeiro. O chão dos outros nunca nos dá tranquilidade, calor, afecto. Somos sempre o Outro. O de fora. Por isso, descobrimos afinidades com Outros e construímos um mundo aparte. Dentro mas aparte. O estrangeiro é sempre um sujeito estranho vivendo no seu oásis. A ausência de raízes determina-nos e assinala-nos. Marcados.Diferentes. Outsiders.
Ás vezes casamos com insiders.Mas a duplicidade não nos fortalece. Passamos a outra categoria. O casal ambíguo. Nem dentro, nem fora. Espartilhados entre duas pertenças, construímos um casulo único misturando e refundido valores e tradições. Que não pertencem a lado nenhum.
Tristeza, desolação, abandono.
Olhar vazio, ponto indefinido no espaço.
Olhar projectado no futuro.
Encandeando factos e construindo a teia de conspiração.
Gozando alarvemente com a ilusão.
Construindo enredos, sendo feliz.
Um sorriso na face que me enregela.
Insinuante, ardiloso, directo, expressivo.
Sonha como um mundo de prazeres imediatos.
Provoca, ri, insulta.
- Alerta total, os músculos retesados,
A defesa sempre pronta, a resposta agreste.