height=324 alt=bailarina.gif src="http://imbricacoes.blogs.sapo.pt/arquivo/bailarina.gif" width=289 border=0> Degas (pormenor)
Despeço-me: até para o ano!
Ela ilude-se
Na delícia dos rostos, entre
Trincheiras guarnecidas de celusas. Todo
Este calor superficial nos seus olhos
De sombra demasiado pura de metáforas,
Estas indesculpáveis indiscrições.
Ela curva-se, ondula. A calma medida da tempestade
Atinge-a na forma mais viva do seu equilíbrio. Prisioneira
De um erudito desejo de agradar,
Assemelha-se a essas águias enredadas
Nas suas próprias lembranças: finge ignorar
Os cavalos, o mar assombrado. Bruscamente,
Compõe aos pés deliciosas do animal
Um caniço cercado de silêncios
E de compridas tapeçarias.
Gerard de Cortanze, O movimento das coisas
Eis, porém, como que um ruído discordante de vozes humanas!(...)
A Inquisição estava nas mãos dos seus inimigos!
E. A. Poe, O Poço e o Pêndulo (conto)
Era uma vez uma árvore e um pássaro de fogo que viviam num deserto.
Um dia soprou um vento forte e o pássaro perdeu a distinção do fogo,
tudo o que o tornava único no mundo parecia irremediavelmente
corrompido por esse vento forte.
A árvore solitária, uma simples árvore comum cujo único mistério era
existir por entre dunas e paisagens áridas de areia, pensou que ela e
o pássaro - que tinha perdido o fogo - podiam ser, finalmente,
amigos. É que, para uma árvore tão agreste e solitária, não dava
muito jeito ter um amigo que fosse um pássaro flamejante de fogo. A
árvore seria incendiada se o pássaro pousasse nos seus ramos
ressequidos. Além disso, um pássaro que tinha perdido a sua
magnificência estava mais perto da sua tristeza de árvore solitária
do deserto. É que, pensava a árvore com os seus ramos secos, é
preciso uma boa dose de tristeza para a amizade ser autêntica, pois
se todos os seres vivessem felizes e absolutamente satisfeitos
consigo próprios não teriam disponibilidade para olhar além do seu
reflexo doirado.
O pássaro que tinha perdido o fogo aproximou-se da árvore e pousou
suavemente nos seus ramos. Tão triste se encontrava que se
aconchegou junto do tronco e abraçado contra a árvore adormeceu. E
sonhou. Sonhou com uma árvore frondosa, cheia de verde vida, cheia
de esperança, tão forte que o seu fogo não podia chamuscá-la!
Embalado pela leve brisa que soprava o pássaro sonhou.
Também a árvore, ao sentir proteger junto de si um ser tão
minúsculo, sentiu um calor diferente do calor do deserto, e sonhou
(as árvores também sonham, não são apenas os pássaros que voam nos
desertos): sonhou que o pássaro possuía asas enormes, tão grandes
que era o vento das suas asas que fazia estremecer os oceanos e
formar as dunas dos desertos. Água e vento, eis o que preciso,
pensou a árvore enquanto sonhava. Tu, pássaro (continua sonhando),
és o mistério do vento, mas onde posso eu ser uma árvore frondosa se
não houver água?
O pássaro ficou surpreendido com a força da árvore. Afinal,
procurava reagir ao tempo, os seus ramos procuravam recuperar a
verdura. Água. Era preciso água. Ohou em redor e foi então que
avistou uma única flor no deserto. Se há flor há água. «Estende as
tuas raizes, reanima a tua seiva».
«A flor do deserto será a nossa guia».
E a flor inspirou uma nova esperança por sobre aqueles seres tão
isolados e indefesos no deserto. É que, entretanto, a árvore
moribunda tinha-se apaixonado pelo pássaro de fogo e vento e, como
sempre acontece, a maior infelicidade é a que traz um amor
impossível.
A árvore pediu ao pássaro o seu fogo e o seu vento, e o pássaro,
entusiasmado com a ideia, não mediu as consequências dos seus actos
(pois os amantes não sabem o que pedem nem o que fazem). As chamas
quase queimaram a árvore, mas a seiva brotou de forma abundante, e
entrelaçou-se com a flor. O deserto deu lugar a um inesperado jardim
e antes de morrer, a primeira árvore que se apaixonou pelo pásaro de
fogo olhou em seu redor, e ficou feliz. Existiam agora muitas árvores
e flores, e até um rio belo e sereno como os céus em volta. A
primeira árvore soube, então, que o pássaro não voltaria a ter sede
nem a sentir-se sózinho.
(conto revisto e acrescentado, escrito a duas mãos)