Vírus, bactérias, micróbios, bicharada. Uma simples constipação coloca-nos no limite, próximos da exaustão, prontos a sacrificar o prazer de coisas outras. Há quem diga que é um problema metafísico. Há quem diga que é uma reacção de recusa, de repulsa, de alergia. Mas, eu diria que é simplesmente físico. Uma questão de corpo estranho infiltrado. Há que detectá-lo e abatê-lo.
Ás vezes a mudança traz surpresas agradáveis. Acontece mergulharmos a cabeça numa qualquer latrina e habituarmo-nos ao cheiro até à anestesia. Depois, um dia, levantamos a cabeça e sentimos o ar puro invadir-nos o corpo. Acordamos e perplexos, olhando para trás, não compreendemos. Como foi possível ignorar o ar pestilento por tanto tempo?
À minha esquerda o sol entra sorrateiro pela janela. Sol de Outono. Sol de mudança.
Ela faz caixinhas de papel e pelo meio vai escrevendo frases sobre o Outono.
Dizia que as andorinhas tinham regressado a países mais quentes.
Mas eu, que gosto de ver, este ano não olhei as andorinhas.
Talvez agora só existam na minha memória e a pouco e pouco vou-me remetendo ao silêncio, ao sonho, ao regresso.
Era uma casa de xisto. Não tinha nem luz, nem água nem saneamento. As paredes estavam forradas a papel pardo, colado com uma mistura de farinha e bosta de vaca ou então era o barro caiado que dava brilho ao interior. A cozinha tinha uma chapa de ferro onde se acendiam grandes fogueiras para aquecer ou escurecer o fumeiro. Quando se matava o porco, o animal acabava dependurado na única sala da casa, fazendo companhia aos naperons de renda e linho. Havia uma espécie de prateleira onde se acumulavam os vidros e metais: uma herança da casa rica da tia velha. Os quartos não tinham janelas e os insectos passeavam-se noite dentro pelo meio dos cobertores.
Nas lojas junto á rua habitava o burro e habitavam as cabras. O estrume que faziam era meticulosamente recuperado para adubar as terras. De Inverno aqueciam com o seu calor a casa por cima. Eram bons companheiros.