Um dia o velho Rato de água deitou a cabeça de fora do seu buraco. Tinha uns olhitos como contas, muito vivos, bigodes rijos e cinszentos. A cauda parecia um pedaço comprido de borracha preta. Os patinhos nadavam no lago e pareciam um bando de canários amarelos; a mãe, que era muito branca, com pernas encarnadas, procurava ensiná-los a porem-se de pé, com as cabecitas debaixo de água.
Oscar Wilde, O Amigo dedicado
Lá muito acima da cidade, numa alta coluna, erguia-se a estátua da principe Feliz. Era todo revestido de finas folhas de oiro e tinha por olhos duas brilhantes safiras; no punho da sua espada cintilava um enorme rubi. Era de todos muito admirado.
Oscar Wilde, O Príncipe Feliz
O tempo esfriou, o fumo esgueirou-se na nossa memória. Vi desespero, incompreensão, arrojo, desnorte.
Transformámo-nos num pais de resiníferas, sempre prontas a arder .
O mato invadiu o espaço deixado pelo despovoamento rural.
É inevitável que tudo arda.
É, pois, no Verão, que tudo arde.
Discutiremos para sempre acerca do sentido da vida, porém o Opabiana ou teve ou não teve cinco olhos – e podemos ter a certeza de uma coisa ou de outra. Os animais do Xisto de Burgess são também os fósseis mais importantes do mundo, em parte por serem objectos de uma tão estranha beleza. O seu encanto reside tanto na amplitude das ideias que representam e na magnitude do nossos esforço para interpretarmos a sua anatomia como na elegância das suas formas e no milagre da sua conservação.
Stephen Jay Gould, A vida é bela
O Enredo
Para que o seu horror seja perfeito, César, encurralado ao pé de uma estátua pelos impacientes punhais dos seus amigos, descobre entre as caras e os aços a cara de Marco Júnio Brutus, seu protegido, talvez seu filho. Deixa de se defender e exclama: Também tu, meu filho! Shakespeare e Quevedo recolhem o patético grito.
O destino gosta de repetições, de variantes, de simetrias. Dezanove séculos depois, no sul da provincio de Buenos Aires, um gaúcho é agredido por outros gaúchos, e, ao cair, reconhece um afilhado seu e, com lenta surpresa, dirige-lhe uma mansa recriminação (estas palavras são para ouvir, não para ler): Pero, che! Matam-no e não sabe que morre para que se repita uma cena.
Jorge Luis Borges.