Rosas primeiras acordam,
E o seu perfume é tímido
Como sorriso ligeiro,
E roça, de fugida, o dia
Como asas de andorinhas;
E, onde quer que tu toques,
Tudo é ainda angústia.
Cada reflexo é medroso,
Não há som que seja manso,
E a noite é nova demais,
E a beleza é pudor.
Rainer Maria Rilke, Poemas
No século XIX os teólogos da natureza discutiam a questão da benevolência divina, dentro do plano criador divino. Mas como harmonizar esta benevolência com a predação sobretudo na forma de parasitismo?
Os Ichneumonoidea são um grupo de vespas cujas larvas são parasitas. No caso dos endoparasitas, a fêmea adulta perfura o hospedeiro com o seu ovipositor e introduz os seus ovos no hospedeiro ( os hospedeiros podem ser lagartas - larvas de borboletas - ou afídeos ou aranhas). Quando os ovos eclodem as larvas vão-se alimentando do corpo do hospedeiro até que acabam por lhes provocar a morte.
Talvez o dilema só se coloque em termos humanos quando se utilizam vocábulos como dor/destruição, vitima/vencedor para descrever uma natureza que se formos a ver bem é amoral. Porque se antropomorfiza a descrição da Natureza se o mundo é independente das construções humanas que sobre ele fazemos?
( lendo S.J. Gould)
O que chamamos começo é muitas vezes o fim
E fazer um fim é fazer um começo.
O fim é de onde nós partimos. E toda a locução
E frase que está certa (onde toda a palavra está em casa
E toma o seu lugar em apoio das outras,
A palavra nem hesitante nem aparatosa,
Uma relação fácil do velho com o novo,
A palavra comum exacta sem vulgaridade,
A palavra precisa mas não pedante,
A inteira companhia a dançar a compasso)
Toda a locução e frase é um fim e um começo,
Todo o poema um epitáfio. E qualquer acto
É um passo para o cepo, para o fogo, pela garganta do mar
abaixo,
Ou pedra ilegível: e é daí que partimos.
(…)
Eliot, Quatro Quartetos
Somos filhos da madrugada
Pelas praias do mar nos vamos
À procura de quem nos traga
Verde oliva de flor no ramo
Navegamos de vaga em vaga
Não soubemos de dor nem mágoa
Pelas praias do mar nos vamos
À procura da manhã clara
Lá do cimo duma montanha
Acendemos uma fogueira
Para não se apagar a chama
Que dá vida na noite inteira
Mensageira pomba chamada
Companheira da madrugada
Quando a noite vier que venha
Lá do cimo duma montanha
Onde o vento cortou amarras
Largaremos pela noite fora
Onde há sempre uma boa estrela
Noite e dia ao romper da aurora
Vira a proa minha galera
Que a vitória já não espera
Fresca brisa, moira encantada
Vira a proa da minha barca
Na voz de Zeca Afonso, Canto Moço
A rotação da terra é uma coisa extraordinária, não é?